Na sessão de julgamento do dia 28/04/2021, a Primeira Seção do STJ, julgou o Recurso Especial promovido pelo MPSC contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que firmou entendimento sobre matéria de relevância gigantesca no direito ambiental: a extensão das faixas não edificáveis às margens de cursos d’água em áreas urbanas consolidadas.

O Recurso especial dirigido ao STJ combatia a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que historicamente tinha o entendimento de que o distanciamento de curso d’água previsto na Lei do Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79, artigo 4º) prevalecia em relação aquele previsto no antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65, artigo 2º) em perímetros urbanos, ou seja, 15 metros, e não os 30 metros da legislação florestal.

Um dos argumentos utilizados até então para a utilização de 15 metros de recuo era que a antiga legislação ambiental não mencionava o perímetro (urbano ou rural) alcançado pela restrição, de modo que a lei florestal deveria incidir sobre os imóveis rurais e, a urbanística, aplicada aos imóveis urbanos. Ademais, a Lei n° 6.766/79 sofreu uma alteração em 2004 justamente no dispositivo em tela (artigo 4º), o que levava à solução do conflito normativo pelo critério temporal. A razoabilidade e a proporcionalidade também vertente pela qual se entendia pela incidência da norma do parcelamento do solo em relação a ambiental.

Convém destacar que o próprio Ministério Público de Santa Catarina, em parte de seus membros, adotava este mesmo ponto de vista, provavelmente porque fosse mais realista em face das situações vivificadas nas diferentes cidades do estado.

No julgamento do STJ, o Min. Relator Benedito Gonçalves inicialmente propôs a modulação dos efeitos da decisão para após o trânsito em julgado – o que, em nosso entender, acertadamente homenagearia a segurança jurídica e levaria em conta a quantidade muito significativa de projetos aprovados pelo Poder Público e efetivamente construídos nos últimos anos com base na previsão da Lei n. 6.766/1979 (afastamento de 15 metros).

Todavia, depois de lido o voto do relator, houve a divergência do Min. Herman Benjamin que foi posteriormente acompanhada pelos demais Ministros da 1ª. Seção do STJ, incluindo, inclusive o Min. Relator Benedito Gonçalves, que reconsiderou sua decisão e não se confirmou a modulação dos efeitos do julgamento. 

Nesse ponto que reside a maior repercussão da decisão, pois pelo corpo do julgamento se subentende que os seus efeitos são retroativos conforme citado “2. Não há que se falar em direito adquirido à manutenção de situação que gere prejuízo ao meio ambiente… 4) Inaplicabilidade da teoria do fato consumado nos casos em que se alega a consolidação da área urbana.

O decidido pelo STJ, portanto, além de irradiar efeitos imediatos nos licenciamentos e alvarás de construção, poderá atingir fatos pretéritos. Mais especificamente, então, construções já efetivadas – mesmo que aprovadas pelo Poder Público tanto sob o viés urbanístico quanto ambiental, mas com base nos 15 metros da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, e não nos 30 a 500 metros de APP do Código Florestal – poderão ser agora objeto de ações judiciais do Ministério Público e demais legitimados com pedidos de demolição, indenização e reparação do meio ambiente ao estágio anterior às construções (status quo ante).

O que nos parece é que ainda haverá muita discussão de casos individuais, inclusive na cidade de Chapecó/SC, que receberá a segunda fase do estudo sócio ambiental iniciado em 2018, que de fato trará uma radiografia mais ampla da atual situação urbana dos rios, edificações consolidadas e do impacto ambiental causado por elas.

Também não se pode olvidar que o próprio STJ tem já em diversos julgamentos decidido que deve prevalecer o princípio tempus regit actum (tempo rege o ato) nas questões de natureza urbanísticas, o que significa dizer que não se deve retroagir a aplicação de normas novas para fatos pretéritos.

O que fica nesse contexto é que realmente fazendo-se referência à célebre frase atribuída ao economista e ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, parece que, no Brasil, de fato até o passado é incerto.