O TESTAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA
A pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2 ou Novo Coronavírus, vem produzindo repercussões não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala global, mas também repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias em escala.
Estamos, na verdade, com várias dúvidas e incertezas sobre as curvas da doença, o índice de contaminação, a possibilidade de reinfecções e a viabilidade das vacinas, em fase final de desenvolvimento.
Quando elaborava este texto, uma suposta “segunda onda” já havia espraiado no hemisfério ocidental e no Brasil, enfrentando o aumento do número de internações em diversas localidades, o que, certamente nos leva a crer que somente poderemos falar em pós-pandemia quando a “peste”, enfim, esteja controlada definitivamente.
Partindo-se da perspectiva teórica de que as enfermidades são fenômenos a um só tempo biológicos e sociais, desde quando saímos da normalidade, em março de 2020, novas demandas surgiram no âmbito do Direito Privado criando novos hábitos e formas juridicamente pensadas para que a vida prosseguisse minimamente dentro das perspectivas.
Uma das mudanças de hábito que notamos, é o número maior de pessoas buscando informações e esclarecimentos sobre a transmissão da herança através do testamento, que é um documento que declara a vontade do testador com relação a divisão dos seus bens, que acontecerá após a sua morte. Fato esse retratado, inclusive, por pesquisa realizada pelo Colégio Notarial do Brasil, publicada em setembro de 2020, disponível[1] no link: https://bit.ly/3mwW6xO.
Também, constatamos o aumento de pessoas buscando compreender outras medidas de planejamento sucessório, talvez pelo receio da morte repentina. Notem, que de acordo com a pesquisa acima referida, ocorreu um aumento considerável de mais de 100% na confecção de testamentos, na comparação entre os meses de abril e julho de 2020. Essa anormalidade na ordem social, talvez altere a forma anterior da transferência da herança no Brasil, de pouco se fazer testamento, o que de fato, em outros países, é a forma de sucessão preferencial.
Nos parece, a princípio, que o testamento era menos usado pelo medo ou receio da pessoa em antecipar o enfrentamento das questões patrimoniais ligadas a morte como também pelos custos e formalidades para a elaboração do testamento, que preferencialmente deve ser confeccionado pela modalidade pública, perante o Tabelionato de Notas.
Buscando tornar mais acessível ao cidadão, foi editado o Provimento nº 100 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, de 26 de maio de 2020, que possibilita a realização de testamentos pela via digital ou eletrônica, reduzindo com isso a burocracia, sem dúvidas.
Esse provimento aproxima as pessoas dos mecanismos de planejamento sucessório, que certamente diminui custos e discussões para a transferência da herança.
Pontue-se que essa norma administrativa trouxe requisitos de validade para os atos eletrônicos, inclusive sobre a gravação da videoconferência notarial, mencionada no artigo 3º do Provimento do CNJ.
Aos que não optarem pela transferência da herança via testamento, resta a ordem de vocação hereditária prevista no Código Civil – Lei 10.406/2002, que apesar de parecer justa e correta, como boa parte das Leis brasileiras, comportam interpretações divergentes que podem se arrastar por anos no Poder Judiciário, bem como elevados custos financeiros, o que, certamente, é evitado com um ato de última vontade.
Novas realidades forçam a revisão de antigos conceitos, e no caso da transferência da herança, nos parece que o atual cenário tem alavancado a reavaliação desse “costume” de não transmitir em vida a herança, e por vezes levam a discussões infindáveis, especialmente porque as regras para os herdeiros em vigor no País são confusas e não presumem na maioria das vezes a vontade do falecido em relação aos bens que foram deixados no processo sucessório.
O planejamento sucessório evita querelas, diminui custos e ainda favorece os atos de vontade do falecido, que última análise, foi quem amealhou o patrimônio que será transferido aos herdeiros.
A experiência profissional e agora os números do Colégio Notarial do Brasil apontam que a pandemia de COVID-19 aproximou a sociedade dos mecanismos legais de planejamento sucessório e transferência de herança, no caso os TESTAMENTOS, até porque a grande realidade das nossas vidas é a morte, e realmente nesse período pandêmico, para o entendimento de muitos, o “passamento” pode estar rondando muito mais próximo.
Ricardo Cavalli
Advogado OAB/SC 14.244
[1] Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MjAwODA=&filtro=&Data=